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segunda-feira, 27 de agosto de 2018

A Guarda Pretoriana de Sartori e Schirmer


Instituídas a partir do ano I a.C., as guardas pretorianas eram formadas por soldados romanos que se ocupavam unicamente com a segurança pessoal dos imperadores e das respectivas famílias reais. Todavia, os batalhões de legionários foram criados bem antes, em 30 a.C, e tinham como função proteger o “prætorium”, o quartel general dos imperadores da Roma antiga. Mas foi a partir de I a.C. que o imperador Augusto formou a primeira Força permanente de nove coortes com um contingente variável de 500 a 1000 homens, cujo objetivo era o de salvaguardar o imperador e seus parentes, sufocar motins e desmantelar conspirações. As unidades pretorianas desenvolviam múltiplas tarefas, todas bastante obscuras. Dentre elas, espionagens, policiamento ostensivo, operações secretas e até assassinatos de desafetos do soberano. Para além da remuneração como soldados, percebiam consideráveis bonificações por tarefa realizada. Haja vista a submissão cega aos senhores reais, a guarda pretoriana era muito malvista pelo povo, que a nominava como traidora, infame e cruel. Não esqueçamos que Jesus Cristo foi morto no pretório de Pôncio Pilatos, procurador de Roma na Judeia, por sua guarda pretoriana.
Todo o governo autoritário tende a flertar com Guardas armadas emancipadas sob seu comando – esse também foi o caso, apenas para lembrar – da Schutzstaffel (SS), a poderosa tropa de proteção pessoal de Adolf Hitler, totalmente autônoma em relação ao Exército alemão.

Pois bem, tudo indica que os governos latino-americanos andam namoriscando com a ideia de forças armadas autônomas em relação tanto ao Exército quanto ao policiamento estatal. São exemplos as milícias nicaraguenses que intimidam jornalistas e disparam com fuzis contra manifestantes contrários ao governo de Daniel Ortega. Visto que também as patrulhas bolivarianas na Venezuela e as milícias civis na Bolívia atuam de forma análoga defendendo os seus governos em detrimento da segurança do povo. Por supuesto, Lula não ficou para trás. O presidente empossado em janeiro de 2003 tratou logo de assinar, um ano e oito meses depois, o Decreto 5.289/2004 que instituiu a Força Nacional de Segurança Pública. São atividades da Força Nacional, dentre outras, o auxílio às ações da polícia judiciária estadual na função de investigação de infração penal para a elucidação das causas, circunstâncias, motivos, autoria e materialidade; o auxílio às ações de inteligência relacionadas às atividades destinadas à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio; realizar  atividades periciais e de identificação civil e criminal destinadas a colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de fatos ou de infração penal; apoiar ações que visem à proteção de indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promovam e protejam os direitos humanos e as liberdades fundamentais e apoiar as atividades de conservação e policiamento ambiental. O texto original do decreto presume que caberá ao Ministro da Justiça coordenar o planejamento, o preparo e a mobilização da Força Nacional de Segurança Pública. 
Cabe aqui mencionar os ministros civis que ocuparam o comando da Força Nacional nos governos Lula/Dilma, em ordem cronológica: Márcio Thomas Bastos, Tarso Genro, Luiz Paulo Barreto, José Eduardo Cardozo, Wellington César Lima e Silva e Eugênio Aragão. Entrementes, gostaria de abrir um parêntese e lembrar que o secretário de segurança pública no governo Tarso Genro, Airton Michels, colocou como chefe da sua própria segurança o comissário Nilson Aneli, que se descobriu mais tarde ser também segurança do criminoso Xandi, um dos maiores traficantes de drogas do Estado do Rio Grande do Sul. 
Achou pouco? Pois bem, na sessão ordinária do dia 22 de agosto último, no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) foi aprovado por unanimidade “parecer que aponta como inconstitucional a Portaria 121, assinada no dia 13 de agosto pelo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, autorizando o emprego da Força Nacional de Segurança Pública nas manifestações previstas para este mês, em Brasília”. O advogado Hariberto de Miranda Jordão Filho, relator do parecer, considerou que “a portaria ministerial, baixada como se estivéssemos em um regime de exceção, constitui uma tentativa de intimidação e repressão às manifestações políticas organizadas para o mês de agosto na Esplanada dos Ministérios”. Segundo o parecer, Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública do governo Temer, não detém atribuição constitucional específica para autorizar, por ato próprio, o emprego da Força Nacional de Segurança Pública. Particularmente, a mim não surpreende o fato de o ministro Jungmann se considerar acima da Constituição. Como um comunista, ele almeja ocupar altas patentes militares, porém sem competência ou mérito para tal.  Tal ato arbitrário descortina todo o seu apreço pelo autoritarismo e o desprezo pelo cumprimento da lei.
O próximo governo certamente desmobilizará a Força Nacional, indenizando as tropas ou incorporando seus membros às atividades administrativas das polícias estaduais. A sociedade brasileira não está disposta a desembolsar cerca de R$ 350 milhões anuais para manter um batalhão “fantasma”, ou pior, uma patrulha ideológica sob comando de políticos autoritários. 
O “Coach” em Segurança Pública do MDB, Raul Jungmann, obcecado defensor da Força Nacional, parece ter prestado mentoria aos políticos do partido também nos rincões do Pampa gaúcho. 
Pois na penúltima semana do mês de agosto, a sociedade sul-rio-grandense foi surpreendida ao tomar conhecimento da Portaria nº 115, assinada pelo secretário de Estado de Segurança Pública, Cesar Schirmer, que cria a Força Gaúcha de Pronta Resposta (FGPR). Tudo indica que, na calada da noite de 13 de junho, o secretário de segurança pública do Rio Grande do Sul, com um canetaço, recriou aos moldes romanos do século I a.C, a Guarda Pretoriana.
A Associação dos Oficiais da Brigada Militar (ASOFBM), representada pelo seu presidente, manifestou-se veementemente contrária à criação de uma unidade armada política, sob comando do secretário de segurança pública, por usurpar frontalmente as funções da Brigada Militar. Entrevistado pelo jornal Correio do Povo, a ASOFBM rememorou que já existem batalhões e pelotões de operações especiais que atuam de prontidão no Rio Grande do Sul. Assim, é motivo de preocupação o fato de a criação de uma Força Gaúcha não ter sido discutida com as entidades de classe e com os profissionais da segurança pública e, portanto, não foi bem recebida dentre os oficiais da Brigada Militar. É preocupante, inclusive do ponto de vista jurídico, o fato de a Força Gaúcha estar submetida à determinação e coordenação direta do secretário estadual da Segurança Pública. Por outro lado, muito bem sinaliza o presidente da ASOFBM sobre possíveis consequências inesperadas face ao emprego de policiais aposentados, com mais de 50 anos de idade, colocados para fazer um enfrentamento com criminosos violentos como, por exemplo, as quadrilhas de assaltos a bancos e os traficantes de drogas. Dessa perspectiva, a Força Gaúcha é um projeto que precisa ser revisto e estudado a partir de um diálogo com as entidades de classe e com a sociedade gaúcha.


Tudo leva a crer que, antevendo o caos, desrespeitando as leis e o bom senso na administração da coisa pública, políticos déspotas tentam recriar as guardas pretorianas no Brasil, escudos para si mesmos e para seus familiares, a fim de se defenderem da plebe, digo, do povo. A sociedade brasileira deve se colocar frontalmente contra a criação de grupos armados à margem do Estado e à serviço da politicagem. A sociedade gaúcha, em especial, deve solicitar em caráter de urgência a revogação da Portaria 115/ SSP de 13/06/2018, sob alegação de inconstitucionalidade e sob pena de transformar-se refém de uma milícia política armada. 
Ivo Sartori, do MDB, aquele que no segundo dia após a sua posse como governador do RS em 2014, perguntado se honraria a promessa de estabelecer um piso para os professores do Estado disse – “se os professores quiserem piso, que se dirijam à Tumelero”. Para quem não é do Rio Grande do Sul, saiba que a Tumelero é uma loja de materiais de construção. Esse é o nível do nosso governador, sem dúvida, abaixo do piso.  
Por outro lado, o secretário de segurança pública do RS foi escolhido a dedo pelo governador. Cesar Schirmer, era prefeito do município de Santa Maria, quando ocorreu a tragédia da Boate Kiss, levando a óbito 242 jovens gaúchos. O administrador da cidade, responsável direto pela (não) fiscalização do funcionamento regular dos estabelecimentos comerciais, sequer saiu chamuscado e nenhuma penalidade sofreu, ao contrário, foi compensado, pasmem, com o cargo de secretário de segurança pública do Estado. Em qualquer outro país do mundo, ele estaria preso. 
A sociedade gaúcha espera nada menos do que a revogação imediata da Portaria 115/SSP de 13/06/2018 e a exoneração do secretário Cesar Schirmer, diante desse obsceno e ilegal ato de afronta ao artigo 142 da Constituição Federal de 1988, e à Emenda Constitucional nº 73, de 12.07.2017 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. Diante de tal ato  de agente público, digno apenas dos autocratas, não cabem pseudo-argumentos. 
As nossas valorosas corporações policiais, as que estão oficialmente à serviço do povo, vêm sendo abertamente sucateadas desde a “redemocratização” do País. Um projeto nefasto de desmonte orquestrado para fins espúrios que envolvem interesses obscuros de poder e ganância. A sociedade brasileira deverá se colocar abertamente contrária ao débâcle das polícias estaduais. Para preservar a democracia e a segurança da própria sociedade brasileira, é necessário que as corporações policiais sejam libertas da submissão político-partidária, tenham orçamento próprio e conquistem paridade e igualdade no Sistema de Justiça Criminal.
Para finalizar, aconselho aos senhores políticos a recordarem que em determinado momento da história, a Guarda Pretoriana conquistou tamanho prestígio e poder que passou ela mesma a decidir tanto a escolha quanto a permanência dos imperadores. Para quem sabe ler, um pingo é letra.

E aqueles que vociferam “eu quero o fim da polícia militar”, certamente serão os primeiros a fenecer pela língua.


Fontes

Braga, Políbio. Chefe de Segurança do secretário de Segurança de Tarso era também chefe de segurança do chefe do tráfico, Xandi. <Disponível em polibiobraga.blogspot.com/2015/01/chefe-de-seguranca-do-secretario-de.html>
Acesso em 26.08.2018.

Brasil. Diário Oficial da União. Portaria nº 121, de 13 de agosto de 2018.
Correio do Povo. Associação dos Oficiais da BM critica criação da Força Gaúcha. Porto Alegre. Disponível em < www.correiodopovo.com.br/Noticias/Polícia/2018> Acesso em: 25.08.2018.

Estado do Rio Grande do Sul. PORTARIA SSP Nº 115 DE 13 DE JUNHO DE 2018.

Hook, Richard; Rankov, Boris. La Guardia Pretoriana. Barcelona: RBA Editores, 2009.

Jusbrasil. Autorização de Jungmann do uso da Força Nacional em manifestações é inconstitucional. Disponível em
<https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/617401329>
Acesso em 26.08.2018.