Instituídas a partir do
ano I a.C., as guardas pretorianas eram formadas por soldados romanos que se ocupavam
unicamente com a segurança pessoal dos imperadores e das respectivas famílias
reais. Todavia, os batalhões de legionários foram criados bem antes, em 30 a.C,
e tinham como função proteger o “prætorium”, o quartel general dos imperadores da
Roma antiga. Mas foi a partir de I a.C. que o imperador Augusto formou a
primeira Força permanente de nove coortes com um contingente variável de 500 a 1000
homens, cujo objetivo era o de salvaguardar o imperador e seus parentes, sufocar
motins e desmantelar conspirações. As unidades pretorianas desenvolviam
múltiplas tarefas, todas bastante obscuras. Dentre elas, espionagens,
policiamento ostensivo, operações secretas e até assassinatos de desafetos do
soberano. Para além da remuneração como soldados, percebiam consideráveis
bonificações por tarefa realizada. Haja vista a submissão cega aos senhores
reais, a guarda pretoriana era muito malvista pelo povo, que a nominava como
traidora, infame e cruel. Não esqueçamos que Jesus Cristo foi morto no pretório
de Pôncio Pilatos, procurador de Roma na Judeia, por sua guarda pretoriana.
Todo o governo
autoritário tende a flertar com Guardas armadas emancipadas sob seu comando –
esse também foi o caso, apenas para lembrar – da Schutzstaffel (SS), a poderosa
tropa de proteção pessoal de Adolf Hitler, totalmente autônoma em relação ao
Exército alemão.
Pois bem, tudo indica que
os governos latino-americanos andam namoriscando com a ideia de forças armadas
autônomas em relação tanto ao Exército quanto ao policiamento estatal. São
exemplos as milícias nicaraguenses que intimidam jornalistas e disparam com
fuzis contra manifestantes contrários ao governo de Daniel Ortega. Visto que
também as patrulhas bolivarianas na Venezuela e as milícias civis na Bolívia atuam
de forma análoga defendendo os seus governos em detrimento da segurança do
povo. Por supuesto, Lula não ficou para trás. O presidente empossado em janeiro
de 2003 tratou logo de assinar, um ano e oito meses depois, o Decreto
5.289/2004 que instituiu a Força Nacional de Segurança Pública. São atividades
da Força Nacional, dentre outras, o auxílio às ações da polícia judiciária
estadual na função de investigação de infração penal para a elucidação das
causas, circunstâncias, motivos, autoria e materialidade; o auxílio às ações de
inteligência relacionadas às atividades destinadas à preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio; realizar atividades periciais e de identificação civil
e criminal destinadas a colher e resguardar indícios ou provas da ocorrência de
fatos ou de infração penal; apoiar ações que visem à proteção de indivíduos,
grupos e órgãos da sociedade que promovam e protejam os direitos humanos e as
liberdades fundamentais e apoiar as atividades de conservação e policiamento
ambiental. O texto original do decreto presume que caberá ao Ministro da
Justiça coordenar o planejamento, o preparo e a mobilização da Força Nacional
de Segurança Pública.
Cabe aqui mencionar os
ministros civis que ocuparam o comando da Força Nacional nos governos
Lula/Dilma, em ordem cronológica: Márcio Thomas Bastos, Tarso Genro, Luiz Paulo
Barreto, José Eduardo Cardozo, Wellington César Lima e Silva e Eugênio Aragão. Entrementes,
gostaria de abrir um parêntese e lembrar que o secretário de segurança pública
no governo Tarso Genro, Airton Michels, colocou como chefe da sua própria
segurança o comissário Nilson Aneli, que se descobriu mais tarde ser também
segurança do criminoso Xandi, um dos maiores traficantes de drogas do Estado do
Rio Grande do Sul.
Achou pouco? Pois bem, na
sessão ordinária do dia 22 de agosto último, no Instituto dos
Advogados Brasileiros (IAB) foi aprovado por unanimidade “parecer que aponta
como inconstitucional a Portaria 121, assinada no dia 13 de agosto pelo
ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, autorizando o emprego da Força
Nacional de Segurança Pública nas manifestações previstas para este mês, em
Brasília”. O advogado Hariberto de Miranda Jordão Filho, relator do parecer,
considerou que “a portaria ministerial, baixada como se estivéssemos em um
regime de exceção, constitui uma tentativa de intimidação e repressão às
manifestações políticas organizadas para o mês de agosto na Esplanada dos Ministérios”.
Segundo o parecer, Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública do governo
Temer, não detém atribuição constitucional específica para autorizar, por ato
próprio, o emprego da Força Nacional de Segurança Pública. Particularmente, a
mim não surpreende o fato de o ministro Jungmann se considerar acima da Constituição. Como um comunista, ele almeja ocupar altas patentes
militares, porém sem competência ou mérito para tal. Tal ato arbitrário descortina todo o seu apreço
pelo autoritarismo e o desprezo pelo cumprimento da lei.
O próximo governo
certamente desmobilizará a Força Nacional, indenizando as tropas ou
incorporando seus membros às atividades administrativas das polícias estaduais.
A sociedade brasileira não está disposta a desembolsar cerca de R$ 350 milhões
anuais para manter um batalhão “fantasma”, ou pior, uma patrulha ideológica sob
comando de políticos autoritários.
O “Coach” em Segurança Pública
do MDB, Raul Jungmann, obcecado defensor da Força Nacional, parece ter prestado
mentoria aos políticos do partido também nos rincões do Pampa gaúcho.
Pois na penúltima semana
do mês de agosto, a sociedade sul-rio-grandense foi surpreendida ao tomar
conhecimento da Portaria nº 115, assinada pelo secretário de Estado de
Segurança Pública, Cesar Schirmer, que cria a Força Gaúcha de Pronta Resposta
(FGPR). Tudo indica que, na calada da noite de 13 de junho, o secretário de
segurança pública do Rio Grande do Sul, com um canetaço, recriou aos moldes
romanos do século I a.C, a Guarda Pretoriana.
A Associação dos Oficiais
da Brigada Militar (ASOFBM), representada pelo seu presidente, manifestou-se
veementemente contrária à criação de uma unidade armada política, sob comando
do secretário de segurança pública, por usurpar frontalmente as funções da
Brigada Militar. Entrevistado pelo jornal Correio do Povo, a ASOFBM rememorou
que já existem batalhões e pelotões de operações especiais que atuam de
prontidão no Rio Grande do Sul. Assim, é motivo de preocupação o fato de a
criação de uma Força Gaúcha não ter sido discutida com as entidades de classe e
com os profissionais da segurança pública e, portanto, não foi bem recebida
dentre os oficiais da Brigada Militar. É preocupante, inclusive do ponto de
vista jurídico, o fato de a Força Gaúcha estar submetida à determinação e
coordenação direta do secretário estadual da Segurança Pública. Por outro lado,
muito bem sinaliza o presidente da ASOFBM sobre possíveis consequências inesperadas
face ao emprego de policiais aposentados, com mais de 50 anos de idade, colocados
para fazer um enfrentamento com criminosos violentos como, por exemplo, as
quadrilhas de assaltos a bancos e os traficantes de drogas. Dessa perspectiva,
a Força Gaúcha é um projeto que precisa ser revisto e estudado a partir de um
diálogo com as entidades de classe e com a sociedade gaúcha.
Tudo leva a crer que, antevendo
o caos, desrespeitando as leis e o bom senso na administração da coisa pública,
políticos déspotas tentam recriar as guardas pretorianas no Brasil, escudos
para si mesmos e para seus familiares, a fim de se defenderem da plebe, digo,
do povo. A sociedade brasileira deve se colocar frontalmente contra a criação
de grupos armados à margem do Estado e à serviço da politicagem. A sociedade
gaúcha, em especial, deve solicitar em caráter de urgência a revogação da
Portaria 115/ SSP de 13/06/2018, sob alegação de inconstitucionalidade e sob
pena de transformar-se refém de uma milícia política armada.
Ivo Sartori, do MDB,
aquele que no segundo dia após a sua posse como governador do RS em 2014,
perguntado se honraria a promessa de estabelecer um piso para os professores do
Estado disse – “se os professores quiserem piso, que se dirijam à Tumelero”. Para
quem não é do Rio Grande do Sul, saiba que a Tumelero é uma loja de materiais
de construção. Esse é o nível do nosso governador, sem dúvida, abaixo do piso.
Por outro lado, o
secretário de segurança pública do RS foi escolhido a dedo pelo governador. Cesar
Schirmer, era prefeito do município de Santa Maria, quando ocorreu a tragédia
da Boate Kiss, levando a óbito 242 jovens gaúchos. O administrador da cidade,
responsável direto pela (não) fiscalização do funcionamento regular dos
estabelecimentos comerciais, sequer saiu chamuscado e nenhuma penalidade
sofreu, ao contrário, foi compensado, pasmem, com o cargo de secretário de
segurança pública do Estado. Em qualquer outro país do mundo, ele estaria
preso.
A sociedade gaúcha espera
nada menos do que a revogação imediata da Portaria 115/SSP de 13/06/2018 e a
exoneração do secretário Cesar Schirmer, diante desse obsceno e ilegal ato de
afronta ao artigo 142 da Constituição Federal de 1988, e à Emenda
Constitucional nº 73, de 12.07.2017 da Constituição do Estado do Rio Grande do
Sul. Diante de tal ato de agente
público, digno apenas dos autocratas, não cabem pseudo-argumentos.
As nossas valorosas
corporações policiais, as que estão oficialmente à serviço do povo, vêm sendo
abertamente sucateadas desde a “redemocratização” do País. Um projeto nefasto
de desmonte orquestrado para fins espúrios que envolvem interesses obscuros de
poder e ganância. A sociedade brasileira deverá se colocar abertamente contrária
ao débâcle das polícias estaduais.
Para preservar a democracia e a segurança da própria sociedade brasileira, é
necessário que as corporações policiais sejam libertas da submissão
político-partidária, tenham orçamento próprio e conquistem paridade e igualdade
no Sistema de Justiça Criminal.
Para finalizar, aconselho
aos senhores políticos a recordarem que em determinado momento da história, a
Guarda Pretoriana conquistou tamanho prestígio e poder que passou ela mesma a
decidir tanto a escolha quanto a permanência dos imperadores. Para quem sabe
ler, um pingo é letra.E aqueles que vociferam “eu quero o fim da polícia militar”, certamente serão os primeiros a fenecer pela língua.
Fontes
Braga, Políbio. Chefe de
Segurança do secretário de Segurança de Tarso era também chefe de segurança do
chefe do tráfico, Xandi. <Disponível em polibiobraga.blogspot.com/2015/01/chefe-de-seguranca-do-secretario-de.html>
Acesso em 26.08.2018.
Brasil. Diário Oficial da
União. Portaria nº 121, de 13 de agosto de 2018.
Correio do Povo. Associação
dos Oficiais da BM critica criação da Força Gaúcha. Porto Alegre. Disponível em
< www.correiodopovo.com.br/Noticias/Polícia/2018>
Acesso em: 25.08.2018. Estado do Rio Grande do Sul. PORTARIA SSP Nº 115 DE 13 DE JUNHO DE 2018.
Hook, Richard; Rankov,
Boris. La Guardia Pretoriana. Barcelona: RBA Editores, 2009.
Jusbrasil. Autorização de
Jungmann do uso da Força Nacional em manifestações é inconstitucional.
Disponível em
<https://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/617401329>
Acesso em 26.08.2018.