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quarta-feira, 13 de junho de 2018

General Villas Bôas: um olhar sobre o Brasil atual.

Entrevista concedida pelo General Eduardo Villas Bôas ao jornalista Roberto D’avila, na Globo News, em 21 de março de 2018. O Comandante lidera um Exército de 215 mil homens. Nasceu no Rio Grande do Sul, natural de Cruz Alta.
(RD – Roberto D’avilla)   (GVB – General Villas Bôas)

RD – General Villas Bôas, é um grande prazer lhe encontrar aqui no Quartel General do Exército, o Senhor que tem uma liderança não só dentro do Exército, mas hoje uma liderança nacional porque o Senhor tem uma voz moderadora sempre que vejo suas entrevistas. Então fico muito feliz de conversar com o Senhor.
O Exército desde a Proclamação da República tem um papel importante na vida nacional e na vida política, e agora nós estamos vivendo – 30 anos de democracia – uma crise de valores, uma crise econômica e eu queria saber como o Senhor está vendo o Brasil hoje.
GVB – Inicialmente expressar meu agradecimento pelo prestígio de participar do seu programa, obrigado por estar aqui no nosso Quartel General.
Exatamente essa crise de valores que puxa o Exército, as FFAA, para a posição central de algumas questões, porque a população identifica nas FFAA ainda um repositório desses valores e até mesmo veem as FFAA como guardiãs da identidade nacional. E esse talvez seja um dos aspectos mais preocupantes da crise que nós estamos vivendo porque me parece que ela começa a afetar a nossa autoestima e também a descaracterizar a nossa identidade nacional. Por isso ela é realmente muito séria hoje em dia.
RD – Agora, essa questão de o Exército ter esse papel é boa e não é boa, não é General? porque na democracia o Exército tem de estar no seu lugar apoiando o processo democrático e não sendo, digamos assim, central nesse processo, não é?
GVB – Você sabe, Roberto, que nas pesquisas de opinião as FFAA, 43%, 45% da população deseja uma intervenção militar, intervenção política, não essa do Rio de Janeiro.
RD – Isso é ruim, né General?
GVB – Você vê que isso é mais do que a intenção de votos de qualquer um dos candidatos, e isto é negativo do ponto de vista de como o País se vê e do que Ele aspira. Isso eu vejo como muito negativo.
RD – O Senhor veja como essas coisas são ondas porque em 1984-85, quando terminou o período militar, o Exército estava lá embaixo e agora nesses anos realmente ressurgiu principalmente quando intervém nas questões da violência urbana. Isso é um perigo para o Exército também, não é, General? Eu ouvi o Senhor falar várias vezes sobre isso.
GVB – Não que seja um perigo para o Exército, Roberto, é porque embora seja de atuação, são tarefas constitucionais, elas fogem um pouco da nossa essência porque quando você usa a arma e aponta armas para brasileiros é sinal que a sociedade está vivendo um problema muito sério. As FFAA, pela sua natureza, elas não são feitas para isso, vamos dizer assim. É importante entender que essas intervenções que fazemos nós temos que nos adaptar e elas devem ser de caráter restrito no tempo e no espaço porque se não os efeitos deixam de ser positivos.
RD – O Senhor sempre tem dito, e eu concordo com o Senhor, que se não houver depois um trabalho social, uma integração, não adianta nada, né?
GVB – Essa questão é chave, Roberto. Neste tipo de intervenção, isso é um fenômeno internacional, as FFAA não são empregadas para resolver o conflito, não, quem resolve são os outros vetores de atuação do Estado e do governo. As FFAA, a tarefa que elas têm a cumprir é tão somente criar a estabilidade, a segurança, e aí sim, para que outros setores venham à tona. Nós, por exemplo, passamos 14 meses na favela da Maré, houve períodos que nem mesmo o lixo era recolhido, então aquele caldo, aquele ambiente social extremamente prejudicial ele não se alterou – em consequência, uma semana depois de termos saído tudo voltou ao status quo anterior.
RD – Agora a grande questão hoje, talvez uma das grandes questões no Brasil hoje é a questão do crime organizado, milícias, enfim, tráfico.
GVB – Eu acredito que vem daí a maior ameaça à soberania nacional, questão do crime organizado e tendo a droga como pano de fundo, como base para o que está acontecendo. Tanto do ponto de vista da deterioração de valores, uma verdadeira metástase silenciosa que está corroendo principalmente a nossa juventude, e como também causador da violência. A polícia federal estima que aproximadamente 80% da violência urbana esteja ligada direta ou indiretamente à questão da droga.
RD – Pois essa questão, General, é quase uma guerra perdida no mundo inteiro, esse enfrentamento com a droga. Não seria o caso de se pensar em outras saídas, o Senhor não pensaria em debater também com a sociedade, talvez uma liberação, uma outra forma de se tratar essa questão?
GVB – Esse debate é urgente e fundamental porque aqui não cabe soluções simplistas com base em senso comum. Isso tem de ser tratado de forma científica, com abordagem bastante ampla porque são vários os aspectos a serem contemplados. Tem o aspecto da segurança, mas sobretudo tem a questão da educação, a questão da saúde, a prevenção, enfim várias questões. Nós vivemos no Brasil, até pela questão geográfica – temos 17 mil quilômetros de fronteira – três países produtores de cocaína, vizinhos, e um país produtor de maconha.
RD – O País já virou rota, não é?
GVB – O Brasil é o segundo maior consumidor do mundo e é rota de tráfico. Pelo aperfeiçoamento dos mecanismos de controle de movimentação financeira, a droga, o tráfico hoje está remunerando com droga, não mais com dinheiro. Isso faz com que toda a estrutura do tráfico tenha que provocar o consumo, buscar o consumo para se remunerar. Então a questão está se agravando, eu vejo com preocupação porque as estruturas criminais estão se organizando e se empoderando cada vez mais, se interligando e vão aumentando a capacidade de contaminação de outras instituições.
RD – General, realmente a situação é muito complexa, e voltando ao Rio de Janeiro, onde têm 800 comunidades, uma geografia difícil também para conter o tráfico. Como o Senhor está vendo a intervenção depois de um mês?
GVB – Essa questão do Rio de Janeiro ela é decorrente do fato de que são décadas de demandas e de atendimento de necessidades básicas da população não providas, não atendidas. Isso tudo vai se represando e transborda sob forma de violência. Então é um problema com raízes muito profundas e um problema que atinge a população de uma maneira muito ampla. Então uma intervenção como esta exige tempo para surtir efeito porque não só será necessário, por exemplo, nós restaurarmos, o interventor restaurar as estruturas da segurança pública para que elas tenham condições de atender um centro de gravidade grande que é melhorar a percepção de segurança por parte da população. E outro aspecto são as estruturas do narcotráfico, elas têm de ser golpeadas, contidas, porque eles são os multiplicadores desse problema. E de novo recaímos no aspecto que eu me referi que aí exige a atuação de outros setores do Estado e de governo.
RD – Quer dizer, General, que na verdade nós precisamos de um mutirão, toda a sociedade incluindo o Exército, enfim setores civis, todos os setores da sociedade marchando numa direção, está faltando essa integração no Brasil, não é?
GVB – Retornando, por exemplo, a questão da droga há que haver uma abordagem ampla bem sistêmica com base em estudos e diagnósticos para que todas as fases, todos os setores sejam atingidos. E aí a integração no combate ao crime organizado é fundamental porque o crime se transnacionalizou e nós temos as nossas estruturas contidas no espaço dos Estados da federalização, então nós temos que ir além – tem de ter uma integração em âmbito nacional, não só a integração geográfica, mas os setores de atuação, como tem de haver uma integração internacional também. Nenhum país por si só terá capacidade de conter esse problema se não houver um sentido de cooperação internacional.
RD – Voltando para a questão das FFAA, como eu disse, o Senhor tem sido uma voz moderadora, o Senhor é um líder das FFAA, mas aqui e ali há setores mais radicalizados, como o Senhor contem esses setores hoje e o que o Senhor diria a eles.
GVB – Esses setores mais extremados do espectro, tanto de um lado como do outro, eles se aproximam, eles se alimentam mutuamente, e o problema é que eles perdem a capacidade de dialogar com a sociedade e também de expressar a demanda dessa sociedade. Inclusive nós temos partidos que estão com esse problema, perderam a capacidade de interpretar as demandas da sociedade e dialogar com ela e estão dialogando somente com as suas militâncias. Por isso a importância de elaborarmos bases de pensamento e vamos torcer que surjam lideranças com capacidade de operar essa base de pensamento, para que atenda as necessidades da sociedade e que a sociedade se sinta representada. O problema é que esses extremos acabam representando mesmo setores da sociedade que de outra forma não veem as suas demandas atendidas.
RD – E o risco justamente neste momento é aparecerem aventureiros porque é muito fácil dizer prende, arrebenta, mata, quando a solução não é essa, não é?
GVB – Exatamente, é isso mesmo. (O General exprime um largo sorriso -14: 22 min da entrevista)
RD – Nós vamos ter eleições este ano, um ano fundamental para o Brasil. O Brasil justamente está em busca desta liderança, digamos, de centro que consiga levar esse país. E, tanto na esquerda quanto na direita, nós temos candidatos extremados, o Senhor vê isso com preocupação? O Senhor disse que eles se encontram de alguma forma, mas o Senhor acha que essas vozes vão permear a sociedade?
GVB – É, o problema é que uma parte da sociedade se sente representada por eles. Nós vivemos um fenômeno no Brasil, e também não exclusivamente nosso, o fenômeno que advêm do pensamento politicamente correto. Como eu acho que nós não temos uma cultura muito densa, ele acabou sendo tanto absorvido como imposto à sociedade.
RD – O Senhor poderia explicar melhor isso? Por que pensamento politicamente correto em que sentido?
GVB – É a pauta moderna. Depois do esvaziamento das ideologias e aí entramos no que se convencionou chamar do pensamento politicamente correto – indigenismo, ambientalismo, enfim todas essas…
RD – O Senhor diz que há um exagero neste sentido?
GVB – Há um evidente exagero. O que está acontecendo, porque ele está tão impregnado na nossa sociedade, e está fazendo com que todos pensem da mesma maneira, e tem um escritor jornalista americano, o Walter Lippmann, que diz quando todos pensam da mesma maneira é sinal que ninguém está pensando.
RD – Verdade. Nossa sociedade está muito fragmentada, pensa da mesma maneira, mas cada um de um lado. O Senhor acha que pensam da mesma maneira no sentido de buscar a justiça a qualquer preço?
GVB – Pois é, pensamento politicamente correto, retornando, ele se ideologiza. E quando as questões são ideologizadas elas perdem a visão de resultado e passam a trabalhar no seu fortalecimento orgânico, vamos dizer assim. Então, elas começam a produzir mais do mesmo. Então, quando você… quanto mais temos de ambientalismo, mais dano ambiental, quanto mais indigenismo, mais os coitados dos nossos índios estão abandonados, quanto mais preocupação racial, mais preconceito temos, aliás estamos deixando de ser um país de mestiços para sermos um país de brancos e pretos. Quanto mais essa questão de gênero, mais preconceito homofóbico vemos, e com isso vai se perdendo a visão de resultado e vai se perdendo de vista o atendimento das necessidades da sociedade como um todo. E mais, essa quase ditadura do relativismo que nós estamos experimentando, ela faz com que se flexibilize todos os limites. Isso vai, como um efeito provocado, mas volta como um refluxo. E aí quando a gente tem, vamos dizer, agressões raciais é porque na verdade o que há é falta de limites na atuação, falta de respeito, falta de disciplina social, falta de reconhecimento do princípio da autoridade. Isto está muito impregnado em nós e está dificultando muito o dia a dia da nossa sociedade.
RD – Essa é uma discussão difícil e complexa, eu entendo aonde o Senhor quer chegar. Mas é também uma sociedade que também durante muitos anos ficou oprimida, de repente num certo momento se levanta em todos esses aspectos e cria essa discussão às vezes inócua até, não é?
GVB – Pois é, porque nós incorporamos, nós importamos uma pauta internacional e as vezes queremos aplicar aqui fundamentos e princípios de países europeus como da Noruega e de outros países.
RD – O Senhor está falando em Noruega, vamos mudar um pouco de assunto, eu me lembrei da questão internacional – o Senhor viveu na Amazônia muitos anos, o Senhor conhece profundamente a Amazônia que é, queiramos ou não, há uma cobiça internacional pela Amazônia. Então, lhe pergunto – qual é a sua preocupação com a Amazônia? Segunda pergunta – no governo Fernando Henrique nós assinamos um tratado de não proliferação nuclear, o Brasil é um país imenso, um país que precisa ter uma arma de dissuasão, não foi um erro nós termos assinado esse tratado?
GVB – O erro não foi em si a assinatura do tratado, mas sim nós não termos resguardado espaço para desenvolvermos tecnologias importantes para o país. Mas já que abrimos mão desse poder de dissuasão daí a importância de nós desenvolvermos uma dissuasão que chamamos de convencional. Hoje nós temos a dissuasão assegurada no ambiente regional, mas internacionalmente, não. Daí a importância desses projetos como por exemplo o submarino nuclear, o projeto da aviação de caça, dos nosso projetos de blindados, dos projetos de sistemas de mísseis e foguetes, exatamente para que se assegure essa densidade de poder, e a dissuasão não é um fim em si mesmo, a dissuasão é uma ferramenta para que o país tenha a liberdade de ação pra buscar o atingimento dos seus objetivos e garantir os seus interesses.
RD – eu comecei falando da Amazônia justamente porque a gente não sabe daqui a 20 ou 30 anos o que vai acontecer no mundo, se vai faltar água ou não vai, se não é um perigo para o nosso país essas fronteiras, digamos, mal guarnecidas, não é?
GVB – Uma vez conversando com o ex-senador e ex-governador Jarbas Passarinho, já velhinho, ele me contou que quando era governador do Pará, o embaixador francês fez uma viagem pela Amazônia e foi visita-lo e disse a ele – eu estou admirado porque os países europeus tinham colônias extra regionais, o Brasil tem uma colônia dentro do seu território, que é a Amazônia. A Amazônia é um grande passivo que nós temos que recuperar porque ela tem alguns papeis importantes para cumprir. Primeiro pela quantidade e o valor dos recursos naturais que ela abriga.
RD – Biodiversidade
GVB – São quase imensuráveis. Segundo pelo potencial de integração na América do Sul. A Pan Amazônica são nove países e o Brasil tem interface com todos eles. As Amazônias são muito homogêneas do ponto de vista das suas características e também dos seus problemas. Então é importante, se o Brasil quer assumir alguma liderança na América do Sul, que ele valorize a Amazônia, preste atenção nela. Terceiro porque a Amazônia apresenta a solução e tem resposta para alguns dos grandes problemas que afetam a humanidade, exatamente como você se referiu – é a mudança climática, é a biodiversidade, é a produção de energia renovável, é a questão de alimentos, a questão da água, enfim. E também a Amazônia está a requerer uma atenção especial, nós não temos um órgão para cuidar da Amazônia, nós não temos uma política para a Amazônia, e qualquer abordagem na Amazônia tem de ser muito disciplinar pra que ela tenha profundidade e o alcance capaz de modificar aquela realidade e nós promovermos a exploração, o desenvolvimento atendendo as necessidades da população e ao mesmo tempo promovendo a proteção do meio ambiente.
RD – General, nós estamos vivendo também, o Senhor falou na questão dos valores no início, e a Lava Jato tem feito um grande trabalho, às vezes avança – como o Senhor vê essa questão?
GVB – Eu acho que a Lava Jato ela encerra a esperança do povo brasileiro, por isso ela tem que seguir sem perda, o que nós chamamos na linguagem militar, sem perda de (inaudível) e ser conduzida de forma técnica para atingir a corrupção e garantir que se elimine, diminua, essa sensação de impunidade. Portanto, ela deve ser livre de conotações políticas no seu desenvolvimento.
RD – General, estou ouvindo o Senhor aqui, eu tenho visto que o Senhor tem viajado pelo Brasil todo falando e sempre liderando, no entanto, o Senhor está lutando contra uma doença terrível que lhe acometeu, qualquer um de nós pode ser acometido, como o Senhor luta nesses momentos de maior dificuldade?
GVB – Primeiro aspecto fundamental, tem sido para mim, é o apoio, primeiro da família, sendo de amigos e da estrutura que eu tenho à minha volta, isso é essencial. Segundo é você ter objetivos. Hoje o meu objetivo imediato é chegar ao final deste ano, terminar o mandato e concluir o Comando da Força, são vários projetos em desenvolvimento que nós precisamos consolidar. E terceiro são os três pilares fundamentais que é a mente, o coração e o espírito.
RD – Aí é que o Senhor busca a sua força?
GVB – Exatamente. Eles proporcionam essa sustentação, vamos dizer assim.
RD – Eu imagino, vamos dizer assim, quando a gente tem a primeira notícia de uma doença assim como essa joga na depressão e o Senhor conseguiu sair disso?
GVB – Foi interessante porque até a primeira notícia parece que a ficha demora a cair, então a primeira notícia não abalou. Depois com o tempo você vai ganhando consciência dessa realidade. Mas talvez alguém já tenha me visto dizer isso – quando Deus quer ter uma conversa particular com você, Ele te dá uma doença assim, que faz você se voltar muito mais para Ele.
RD – Se o Senhor tivesse que pedir alguma coisa para o Brasil, o que o Senhor mais pediria neste momento?
GVB – São tantas coisas a pedir para o Brasil, Roberto, mas é ele acreditar em si mesmo, acreditar em si mesmo. O Brasil é inevitável. Então seria isso, acreditar em si mesmo.
RD – É maior que o abismo, não é?
GVB – Muito maior, muito maior.
RD – General, muito obrigado.
GVB – Eu que agradeço, Roberto. É um prestígio enorme; é um prazer estar com você.

 Vídeo disponível na Globo News Play, Programa Roberto D’avila.