A partir do impeachment em 2016, observa-se no
Brasil um acirramento das disputas doutrinárias. Elas excederam os espaços
políticos partidários e se capilarizaram nos espaços rotineiros, em especial
nas redes sociais. Com efeito, é possível verificar um certo fluxo na educação
política do brasileiro comum, em que pese este tenha sido gerado em ambientes
não formais de conhecimento. Em
decorrência desse avivamento da cidadania, velhos baús da história do Brasil voltaram
a ser vasculhados, oportunizando, assim, a popularização de temas antes sob
monopólio acadêmico. Um dos debates mais controversos tem sido sobre o, até
então solapado, período do Governo Militar. Os intelectuais, que privatizaram o
discurso, veem-se agora de frente com um público estendido, na sua maioria jovem,
ávido por saberes dissemelhantes.
Nas mídias, especialistas repetem a mesmice discursiva
sobre o regime de governo no interstício 1964/85, tese que hoje já permite uma comparação
entre os dois governos. Poderíamos avançar, por exemplo, escrutinando conceitos
como autoritarismo e democracia. Atenhamo-nos apenas a três categorias
comparativas.
Assassinatos perpetrados pelo Estado. Segundo o
IPEA, somente em 2015 foram registradas mais de 3 mil mortes decorrentes de
intervenção policial e cerca de 500 policiais foram assassinados no exercício
da função. As polícias brasileiras lidam diuturnamente com condições desumanas
de trabalho. Ao mesmo tempo, a Comissão da Vergonha, digo, da Verdade,
instituída no governo Dilma, conseguiu identificar 224 mortos e 210
desaparecidos durante todo o período do regime militar. Não foram encontradas
provas que pudessem punir criminalmente algum militar. A Comissão encerrou as atividades
em meio a denúncias de mau uso de recursos públicos, e era conhecida pelo
codinome de Equipe Ninja. Não vamos aprofundar o tema, mas é necessário lembrar
que ocorrem no país mais de 60 mil assassinatos anuais, cuja causa é a
criminalidade fomentada pela política.
Torturas atribuídas ao
Estado. Dados
do Infopen (2014),indicam uma população carcerária de 622 mil presos alocados
em 371 mil vagas no país. Cerca de 40% dos apenados esperavam julgamento.
Nessas condições, o Estado perdeu o controle do sistema prisional. As consequências são consecutivas rebeliões, chacinas, decapitações de presos e
assassinatos de agentes penitenciários. As prisões brasileiras são hoje
verdadeiras zonas de torturas. Por outro lado, não se sabe ao certo o número de
“perseguidos” sob o Regime Militar. Algumas das vítimas têm hoje nomes públicos,
como FHC, Dilma Rousseff, José Serra, Caetano Veloso e Chico Buarque. Todos
muito bem-sucedidos profissionalmente e economicamente. Todos progrediram no
exílio – FHC foi, inclusive, aposentado pelo Regime "repressivo", aos 38 anos de
idade.
Censura. No Regime Militar, a observância da ordem pública e o combate ao terrorismo foi caracterizada de
repressão. Neste ínterim, citam-se apenas dois exemplos atuais: 1) o escândalo
do caixa 2 descortinou a falácia das eleições democráticas. Com doações
bilionárias, amparadas na corrupção e na criminalidade, as eleições no Brasil sempre
foram inegavelmente fraudadas e o fato ocultado; 2) no meio acadêmico, oportunidades e carreiras
foram e ainda são ceifadas conforme a orientação ideológica do docente. Isso
ocorre de forma análoga com a publicação de artigos científicos e solicitações
de recursos aos órgãos de pesquisa– quem não se adéqua ao progressismo de
esquerda, está fora. Nos últimos anos, a produção da informação e do
conhecimento no Brasil tem como matéria prima fundamental as vísceras dos seus gestores.
Isso
denota democracia?
Pense bem!